Gata Borralheira

O amor tem destas coisas: por vezes acaba. Até o dia que nasce com um sol esplendoroso pode ficar carregado de nuvens negras. Porque teremos nós a capacidade de mudar?
Um amor para a vida inteira é, cada vez mais, uma utopia. Sonha-se com o príncipe encantado, ou com a Cinderela, e depois, o príncipe, afinal, é um sapo, ou à Cinderela, descobre-se que não lhe serve o sapato.

Um Príncipe e uma Cinderela – uma história banal: Filomena, menina-mulher, casara com o príncipe dos seus sonhos, depois de meia dúzia de meses de romance, em que por uma meia dúzia de vezes se olharam e outra meia se tocaram. Nesse dia, sentira-se a princesa que ele tinha resgatado de Gata Borralheira, daquela sub-vida em que os maus tratos físicos e psicológicos eram o seu pão de cada dia. Começara, enfim, a viver. Emergira e sentira-se flutuar numa doce magia, numa felicidade dourada e reluzente, num sonho tão cor-de-rosa, que até estremecia com medo de acordar e vir a descobrir que aquele sonho era um pesadelo.
Decorreram semanas de mel e luar em que ele, amante apaixonado, sofregamente, a ensinou a ser mulher, a descobrir sensações nunca antes imaginadas. E aprendeu o que era amar, o que era desejo, o que era o êxtase e a plenitude da felicidade.
Exalando um mar transbordante de águas quentes – escaldantes até – cega de amor e de vida, passavam-lhe ao lado alguns pormenores. O seu marido, cada vez mais, vivia na noite, com o álcool como companhia principal; mas ela desculpava, porque ele a amava sempre com intensidade, impetuosamente. Se existiam algumas diferenças, essas eram em si. Descobriu porquê: estava grávida. Ele confiou-lhe lágrimas de alegria, e nela elevou-se o instinto maternal – ele queria um filho. Sublime contentamento, suprema negridão. Não, não era uma filha que ele queria…

O modo como se desenrola uma história, apesar de contornos peculiares, não é muito diferente de outras histórias. Filomena carregava uma filha no ventre e, ao mesmo tempo, foi carregando agressões, violações, fome; toda a espécie de violência física, verbal e psicológica, por parte de um homem cobarde e irracional que, sob a capa do álcool, parecia lograr um só propósito. E a filha nasceu… e morreu em seguida.
O que sempre temera acabara de acontecer.

Inspirado em: Mulheres maltratadas

25 de Novembro: Dia Internacional para a Erradicação da Violência sobre as Mulheres

O número de crimes de Violência doméstica registados no 1.º semestre de 2009 subiu 9% face ao mesmo período de 2008. (APAV)

24 comentários:

gaivota disse...

que tristeza, brutalidade de ler, saber e sentir que HÁ cenas destas!
contra a violência de todo e qualquer género, sempre!
beijinhos

Unknown disse...

Que dizer sobre esta história senão dizer que é preciso denunciar e lutar em prol de uma sociedade mais justa?
Mas mesmo numa sociedade mais justa...as aparências não iludem? Não há uma realidade subterrânea, invisível,psicológica?
Mas uma sociedade mais madura, mais livre, também ajuda a trazer essas águas à superfície. Sem medo.
Um bom fim de semana.

joaquim disse...

A violência praticada sobre as mulheres, (e alguns poucos homens), e os filhos menores, é para mim um dos mais repugnantes e cobardes crimes que a justiça devia punir com toda a força e rigor.

E nesta violência acontece não só a violência fisica, mas também a psiquica, que pode levar ao desespero irremediável.


É um acto cobarde, como cobardes são aqueles que o praticam.

Há que ser posta claramente a descoberto e não muitas vezes desvalorizada como infelizmente os agentes da justiça acabam por fazer, por vezes com as consequências mais funestas.

Peço a Deus por todas as vitimas, e também pelos seus algozes, pois uns e outros precisam encontrar nova vida.

Abraço amigo em Cristo

malu disse...

Que bem que trazes a lume este assunto que sempre fica calado e/ou esquecido.

Sempre atenta a grande Fá.
Parabens por isso e pelo belo texto.
Há que denunciar.

Beijinhos.

Je Vois La Vie en Vert disse...

Denunciar sempre porque a violência, qualquer que seja, é inaceitável e porque , assim, as pessoas que sofrem esta violência descobrem que não são as únicas e que não são as culpadas mas as victimas desta violência !

beijinhos

Verdinha

Paulo disse...

Dramas.

Mário Margaride disse...

Felizmente, hoje, estes maus tratos já não podem ser mais escondidos.

As mulheres ganharam coragem, e dão a cara para os denunciar.

Um excelente texto!

Beijinho

Mário

Å®t Øf £övë disse...

Fá,
Muito bem escrita esta história que começa como um conto de fadas, e acaba como uma tragédia. Tal e qual aquilo a que nós vamos assistindo muitas vezes em silêncio na vida real.
Bjs.

teresa disse...

é triste ver que ainda á historias assim , e homens assim , cobardes ....

obrigada por trazeres este assunto aqui .

beijinhos

CJovem disse...

Faltam mais vozes como esta que dêem voz a tantas outras vozes silenciadas, porque maltratadas, porque ameaçadas.
Vida e dignidade... sempre!

Saudações partilhadas

Ser sempre mais! disse...

Ufff,Fá....
Já tinha passado à tarde e fiquei sem palavras. Agora que voltei repetiu-se...
Temos que denunciar e gritar estas realidades e nos pequenos ou grandes gestos ajudar transformar.

Parabéns pela partilha, querida Fá, isto também é TRANSFORMAR!

Silenciosamente em Comunhão, IDA

Laura disse...

Que tristeza meu Deus, e que bom que até hoje não sei o que isso é, mas que pena, que acontece, e deixam que aconteça..beijinhos...laura

Utilia Ferrão disse...

Olá Fa
Na verdade a violência é algo que existe no nosso mundo e que inflizmente tmuitas vezes não é denunciada.
Violência, na familia.
Como resolver certos problemas que são mesmo graves e são problemas sociais...
A mulher que suporta agressões e traições pelos filhos, ou até porque não tem condições financeiras para viver independente.
Ou mesmo por amor... pois umas vezes há dor, outras vezes calmia,e assim se vai passando.
Na verdade ainda há coisas e coisas.
Beijinhos amiga

Daniel Aladiah disse...

Querida Fá
Nunca compreendi o que é intolerável, como maltratar uma mulher ou um homem.
Um beijo
Daniel

Alberto Oliveira disse...

Irradicar a violência no relacionamento do casal, não é apenas uma exigência: é um modo de estar na vida, vigiando o animal que há em nós. Não somos perfeitos mas temos a obrigação, para com os nossos mais próximos em particular e a sociedade em geral, de não perder de vista, os ideais humanistas.

Beijos.

sou...serei? disse...

Desculpa a ausência que não diz esquecimento.

Post de grande actualidade e de grande escolha da tua parte.
A violência doméstica, principalmente e, na maior percentagem, as mulheres. Traumatizando para um sempre, almas infelizes, reproduzem a imagem de, quem cobardemente, não tem, outro modo para demonstrar a sua pequenez fora de casa.

bj...nho

Pena disse...

Admirável e Simpática Amiga:
Jamais "tocaria" numa mulher, sabe...? Era incapaz. Não se coadugna com a minha forma de entender o mundo.
Aqueles que o fazem, são "pobres" machistas em tudo, até nos sentimentos, na boa Cidadania, no Civismo, nos Direitos Humanos.
Nem nos meus filhos "tocaria" nem que fosse com um só dedo.
Existe o diálogo aberto, franco, sincero, esclarecedor.
É verdade, amiguinha.
O seu blogue é maravilhoso. Faz enternecer.
Possui a ternura, beleza e encanto da perfeição em posts de sonho.
Li o seu texto todo e considero que tudo o que concebe e diz, fá-lo de forma sensata, sóbria e plena de lucidez, mas, atenção, depende da relação estável, digna, autêntica em que acredito, sabia?
Linda!
Beijinhos amigos.
Adorei. É uma honra estar aqui.
Com respeito, estima e consideração ENORME.

pena

MUITO OBRIGADO pela sua simpatia.
Bem-Haja, extraordinária amiguinha.

Laura disse...

Vim deixae beijinhos e desejar que a lei consiga arranjar uma forma fácild e dissuadir os malandros a levar a sua avante!...já chega de tanta dor para muitas mulheres e filhos...Beijinho da laura

Nilson Barcelli disse...

Não há amor ou paixão que resista sem o lastro do respeito e da amizade.
A violência doméstica é antiga. Seja física ou psicológica. O que não se percebe é a verdadeira causa, dado que há imensas. Ela grassa por todos os estratos sociais e idades. E isso torna o combate à violência doméstica muito mais difícil.
Excelente post querida amiga, para o dia que já lá vai... e quase mais ninguém vai falar do assunto até ao próximo ano...
Beijos.

Mário Margaride disse...

Esperemos, querida amiga, que estas situações sejam definitivamente abolidas da nossa mentalidade, enquanto pessoas humanas.

Já é tempo de sermos civilizados.

Beijinho grande

Mário

Sara disse...

Que história triste esta que nos contas. Infelizmente não é s+o uma história, é a realidade.

Estamos em pleno séc.XXI e estas coisas ainda acontecem. E o pior é que em vez de diminuirem estão a aumentar. Um tristeza e que vergonha para todos nós, considerados de humanos.

Como poderemos denominar-nos assim se não conseguimos agir em conformidade nesta sociedade cada vez mais passiva.

Há que denunciar e proteger quem precisa e nada melhor do que fazê-lo do que não fazer esquecer às pessoas este flagelo como tu aqui tão bem o fizeste. Bjs

poetaeusou . . . disse...

*
na mulher,
nem com uma flor,
,
conchinhas floridas,
deixo,
,
*

avlisjota disse...

Olá Fa,

Realmente o que há mais são histórias de príncipes encantados e gatas borralheiras. Porém como diz o conto muitas são as vezes que o príncipe vira sapo ou o sapato não serve á princesa. A questão da violência doméstica é um problema social e cultural enraizado numa sociedade retrogada,
dita pluralista e civilizada. Porém, o que se vê são actos terceiro mundistas e mentecaptos. Ninguém é de ninguém o sentimento tem que ser mutuamente respeitado, nada justifica a violência muito menos tirar uma vida. Ninguém tem esse direito há que respeitar a liberdade do individuo. A violência não é nem nunca será uma forma de respeito mas sim de despeito.

Beijos Fa e bom fim de semana!

São disse...

Há tanto tipo de violência , meu Deus!!

E que se espera num país onde se legisla a favor , não da vítima, mas de quem agride?!

Bom fim de semana.

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